No caminho do Sol e enquanto houver sol

Paisagem de fronteira. Tal é a condição da cidade do Sol. Desde os séculos anteriores parte fundamental dos caminhos indígenas. Passagem incontornável entre o paredão da serra do mar e o planalto de Piratininga. Caminho de João Ramalho e dos jesuítas. Entre as depois terras do ABC paulista e uma das metrópoles mais avassaladoras da modernidade. Modernidade controversa. Desde o período colonial e imperial controvérsias e a tristeza das despedidas na Estrada das Lágrimas, patrimônio tombado. Figueira cercada e e muitas vezes esquecida. De Pedro I aos anônimos – muitos deles escravizados do tráfico transatlântico de africanos e africanas –  que deixavam (ou chegavam) a ainda modorrenta Vila de São Paulo de Piratininga, a vila que em menos de um século virou cidade e nos anos 1940 já era uma metrópole com um milhão de habitantes. E foi mesmo na esteira do êxodo rural e do caótico e desigual crescimento urbano das metrópoles brasileiras que desponta, entre o Ipiranga e São Caetano, a cidade do Sol. Heliópolis de suor e sangue do povo brasileiro. Gente guerreira, que constitui seu território conflagrado mas em busca de paz. Os assentamentos, os mutirões, as resistências. Caminho das águas também. Córregos, rios, poços que marcam a paisagem e o território de São Paulo. Urbanização de mutirão, arquiteturas da resistência. Pau, pedra, caminhos e fins para a luta. Arquitetura do improviso, mas não sem elaboração. Materiais variados, mas também alvenaria de tijolos e mais tarde o concreto. A beleza e a dureza do concreto de São Paulo e da luta poética concreta de quem reivindica a dignidade de uma paisagem sempre de passagem. Fronteiriça. Mas onde se fixa gentes muitas. De toda parte, de toda sorte e história. Entre ruas e vielas estreitas, a violência do Estado e da botina militar. Também tem território da contravenção, à sombra da violência do monopólio da violência estatal. Mas vai se configurando o populoso bairro da memória, das emendas, das organizações e projetos emancipadores. Dos bailes catárticos do funk protesto. Arquiteturas da memória, paisagem da esperança, infindáveis sonhos. Bairro da educação como projeto de emancipação. Tal a forma social da paisagem. Da memória em constante reinvenção. Tal é o território da cidade do Sol. Iluminação. Heliópolis síntese do Brasil.